terça-feira, 27 de julho de 2010

Praga - República Tcheca

Após quatro horas e meia de ônibus chegamos a Praga, República Tcheca. Confesso que a primeira vista achei a cidade vazia demais pra fama que tinha, suja e acabada. Mas estava longe do centro histórico portanto de nada valia essa opinião inicial. É preciso conhecer pra opinar.

Caminhando chegamos ao albergue que reservamos de Berlim, chamado Friendship hostel, 8 euros por pessoa pra dormitório. Chegando lá me veio à cabeça cenas do filme "O Albergue" do Tarantino (explico mais adiante). Começando que a reserva não estava confirmada, o site não informou pro albergue de nossa reserva. Ainda bem que tinha vaga sobrando então não tivemos nenhum problema. Pagamos e fomos pro dormitório largar as coisas e correr pro centro pra ver se ainda rolava foto antes do sol se pôr, já era 21:00h.


Olha o jeitinho brasileiro, gambiarra pra manter a cama de pé!



Lili e uma porta que leva ao subsolo do albergue, nem quero saber o que tinha lá embaixo! kkkkk


Fomos pra rua já com um mapinha da cidade nas mãos. Andando em meia hora chegamos no centro histórico, o sol já estava se pondo mas ainda conseguimos fazer umas fotos. Com sorte, trocamos alguns euros por coroas tchecas pra poder comer algo.


As coroas Tchecas


Na correria pra chegar ao centro histórico, passamos pela praça principal onde uma multidão gritava excitada sobre os lances do jogo da copa do mundo sendo exibido em um telão enorme. Ali encontramos nossa janta, presunto assado na praça mesmo, que delícia....


O presunto! Muuuuuito bom...


E as fotos saíram, não deixei pra depois não, fotos noturnas, melhores que eu já fiz...lá vai...


Castelo de Praga. A construção começou no século IX e praticamente nunca foi terminada até muito recente. Com o passar dos séculos o poder mudava de nome, e com o novo príncipe ou rei novas partes iam sendo construídas, até que em 1918, quando o poder sobre o castelo retorna à República tcheca (estava sob domínio Austríaco), é transformado em residência presidencial vez que o imério austríaco Habsburg ruiu e assim, livre de seu subjulgo, formou-se a República Tcheca que hoje conhecemos. Considerado pelo Guiness book o maior castelo do mundo já que ocupa mais de 70 kms² de área. Foto tirada as 22:20h apox. Mesmo longe pelo menos 1km, precisei fazer uma panorâmica de 3 fotos pra pega-lo inteiro!



Igreja Tyn, na praça principal. Começou a ser construída ainda no século XIII mas demorou absurdamente para ser concluída. Somente em 1.455 o teto foi concluído. Mais tarde, em 1511, a torre sudeste foi finalmente concluída. Pasmem, uma guerra em 1.626 danificou esculturas que foram substituídas. Pior, em 1.679 um raio atingiu a igreja e causou um incêndio devastador. Trabalhos de restauração aconteceram entre 1.876 e 1.895, entre 1.973 e 1.995. O interior ainda passa por restaurações. A igreja é cercada de estórias medievais de assombrações e popular por "não ter entrada". Na verdade existe, mas é escondida por prédios históricos mais recentes que se notam na frente da igreja na foto! Foto tirada por volta de 22:45h.


Depois do presunto e das fotos noturnas voltamos pro calabouço pra dormir, chegando lá quase meia noite. Entramos no dormitório e continuávamos completamente sozinhos! Nos preparamos pra dormir. Resolvi ir ao banheiro tirar água do joelho. Passei no corredor por uma figura fazendo abdominais deitado sobre uma mesa, continuei. Quando cheguei ao dormitório comentei com a lili, rimos, daí ela foi ao banheiro e o cara não estava lá. Voltou e me disse...engraçado...rs. Daí, dois minutos depois resolvi cortar o rabo e voltei ao banheiro, o cara continuava lá nas abdominais! Quando voltei pro quarto contei pra lili, acreditam que voltamos ao corredor o cara não estava mais lá? kkkkkkkkkkkk

Enfim, dormimos. Na nossa chegada já tínhamos comprado as passagens de ônibus pra Vienna, Áustria (custaram 1.080 coroas tchecas as duas pra uma viagem de 4 horas de ônibus). Acordamos cedo, fizemos nosso check out deixando as mochilas grandes lá. Tínhamos horas e horas até nosso ônibus. Fomos caminhar mais e conhecer a cidade e em especial o bairro histórico cruzando a ponte St. Charles até as dependências do castelo. Foi um longo dia de andança...Mas valeu muito...


Museu da tortura! Sai daí maluco!



Lili atrás da Igreja Tyn.


Nossa maior objetivo era ver o famoso relógio astronômico de Praga! Fomos cegos até ele e chegamos faltando minutos pra hora cheia, e nela uma série de eventos ocorrem no relógio e na torre da Prefeitura da cidade, onde está instalado, mágico! A data registrada de construção da primeira versão é de 1.410! Em 1.490 foi adicionado o "mostrador calendário" (parte inferior). De lá pra cá, o relógio sofreu diversas reconstruções e restaurações. A destruição foi em 1.944 durante bombardeio alemão, o relógio só foi novamente concluído em 1.948 depois de muita pesquisa.


E nós lá na frente do relógio de quase 600 anos!



Não podia deixar de filmar a hora cheia né...parte 1!



E a parte 2, uma hora depois kkkkk! Que máximo!


Realmente é um momento mágico porquê centenas de pessoas ficam ali esperando pela hora cheia...sensacional!


Detalhe da parte astronômica do relógio. Parte superior. Não é tão simples não, ele até muda de cor conforme a estação do ano!


E agora mais fotos...


Entrando no castelo...



Panorâmica de uma praça interna do castelo...



Nós dois na frente da basílica do castelo (Basílica de São Vito - paga pra entrar)



Eu andando pelos jardins do Senado de Praga.



Outro castelo, esse não descobri qual é.



Nós na ponte St. Charles sobre o rio Vltava. Começou a ser construída em 1.357! Hoje é símbolo de Praga.



Torre da pólvora. Era uma das 13 torres de defesa de Praga no século XIII. Também era entrada da cidade e caminho real. Não encontrei referências sobre sua construção.


Que lugar sensacional...

Depois de ver tantos lugares nos preparamos pra pegar o ônibus pra Áustria.

Continua...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Berlim - Alemanha

Agora sim, cidade por cidade, vou colocando no ar detalhes dos 20 dias de mochilada pela Europa, eu e a Lili em mais uma grande aventura! Neste primeiro post, serei breve em relação aos quatro dias que passamos em Berlim.

Pegamos um vôo da KLM que decolou no horário previsto. Apesar de o avião ter um tremendo conforto a primeiro contato o que inclui tela de lcd individual com infindáveis opções, nada é confortável depois da terceira hora, e o vôo levaria onze horas e meia até a Holanda.


Tela com o flight tracking on, fazia um pouco de frio do lado de fora do avião hein!


Depois de jogar muito, ver três filmes e Mr Bean, descemos no aeroporto Schipol em Amsterdam. Lá passamos pela inquisição de entrada na europa, uma série de perguntas desconfortáveis mediante apresentação de documentação comprobatória, depois disso recebemos o carimbaço de entrada na UE. Porém, ficamos no aeroporto esperando nossa conexão até a capital alemã. Um segundo vôo de mais uma hora e meia até Tegel, aeroporto alemão.

Pra quem voou por mais de onze horas, esperar uma hora por uma conexão não era nada. Andamos pelo aeroporto, vimos umas coisas e etc. Chegada a hora, passamos pela segurança e embarcamos. Noventa minutos depois estávamos em Berlim. Desde já buscamos pelo carimbo no passaporte, mas isso não acontece mais depois da consolidação da União Européia.

Saímos do aeroporto e fomos ajudados por um funcionário do aeroporto para comprar os bilhetes do ônibus que nos levaria ao nosso albergue. Incrível a paciência e prestatividade do rapaz, sensacional.

Em pouco tempo chegamos ao albergue (City Stay - 17 euros por pessoa), fizemos nosso check in e deixamos as tralhas no dormitório. Saímos pra ver alguns pontos turísticos que queríamos, a começar pela torre de TV, estrutura mais alta de Berlim e símbolo turústico da cidade. Pegamos o elevador (preço de 10,50 euros cada um) até a altitude de 203 metros (o total da torre é de 368m), e de lá fizemos algumas fotos da cidade. Berlim é muito, muito grande, até onde a vista enxerga no horizonte. A cidade mescla majestosamente o velho e o novo, como foi devastada na Segunda Guerra Mundial, muitas edificações antigas continuam de pé, porém 80% da cidade é recente, muito modernismo nos prédios e transporte público.

Descemos, visitamos a fonte de netuno, caminhamos um pouco mais e vimos mais coisas. Não conseguimos fazer muito neste primeiro dia pois o cansaço depois de 13 horas de aviões é danado, além da diferença de fuso horário pro Brasil de 5 horas a mais, o que dificulta a adaptação. Voltamos pro albergue, comemos e dormimos por 12 horas ininterruptas.

Um dia, caminhando pela cidade, paramos ao lado do Portão de Brandenburgo pra fazer fotos e fomos surpreendidos por uma banda em um caminhão, fazendo um show relâmpago ali mesmo, foi muito legal!


Show de graça eu também quero!


Andar pelas ruas de Berlim pode ser uma experiência muito legal. Percebi que o país ainda carrega consigo o terrível semblante de Hitler e da Segunda Grande Guerra, por isso todos são muito simpáticos com os turistas tentando deixar as memórias desagradáveis se apagarem nas linhas do tempo, e você ainda pode dar a sorte de ver um lance legal desse nas ruas:


Teatro nas ruas de Berlim


Nos dias seguintes repetimos a rotina, andando íamos conhecer os pontos turísticos da cidade. Passamos o dia dos namorados fazendo foto noturna do Portão esperando pela amiga da lili Ana Paula, que nunca veio rsrs. Aproveitamos e fizemos uma das poucas refeições de comida propriamente dita, fomos a um restaurante vietnamita e comemos pato assado!

A Berliner Dom é um dos edifícios Históricos mais impressionantes, a ainda possui buracos de bala da luta armada que mudou a História do mundo entre 1939 e 1945. Andávamos entre 10 e 20km todos os dias, uma média de 8 a 10 horas de caminhada. Assim conseguimos economizar dinheiro e conhecer os principais pontos turísticos de Berlim. Raramente utilizamos transporte público. De fato, só pegamos o metrô pra ir à rodoviária comprar passagens para Praga, e depois pegamos de novo no dia de pegar ônibus.

Aliás, que ônibus! Pela Eurolines (preço de 35,10 euros pro trajeto Berlim - Praga. Tempo de viagem de 4,5 horas), tinha tomada, wifi e janelas panorâmicas! Muito limpo e confortável e ainda com água gasosa com sabor incluída.

Vamos às fotos!


Torre de TV e parte da Prefeitura



Torre da Prefeitura, tirei essa foto da janela do nosso dormitório!



Tildinha e Parofito detonando em Berlim!



Tem um parque na frente do Portão de Brandenburgo, e dentro desse parque que na verdade é um jardim (Tiergarten) um largo gramado com diversas rochas diferentes, trata-se do projeto Global Stone. De cada continente há um par de rochas, muito massa!



Portão de Brandenburgo, foto noturna. Começou a ser construído em 1.789 por ordem do Frederico Guilherme II, Rei da até então Prússia.



Panorâmica do Portão de Brandenburgo de costas.



Restos do muro de Berlim, erguido em 1961 e derrubado em 1989. Separava a República Federal Alemã (capitalista) da República Democrática Alemã (socialista).



Memorial aos judeus mortos na Europa (Denkmals Für Die Ermordeten Juden Europas), composto por 2.711 blocos de concreto, homenagem aos 6 milhões de judeus mortos pelo nazismo entre 1939 e 1945. Lili lá no meio.



E aqui sou eu lá.



Escultura "A mãe e seu filho morto", de Käthe Schmidt Kollwitz, que fica dentro do monumento Neue Wache (construído em 1816) que após sua construção servia de posto de guarda real e assim permaneceu até o final da Primeira Guerra Mundial. No teto do monumento há um buraco ("oculus") por onde entra a luz solar que destaca a escultura. Entrada gratuita.



Museu Egípcio de Berlim que fica em uma das extremidades da praça onde está a Berliner Dom (dentro deste museu que fica o busto de Nefertite!)



Lili sob o monumento que simboliza a união das duas alemanhas no evento da queda do muro, em 1989.



Lili sobre a marca onde passava o Muro de Berlim.



Lili observando restos conservados do Muro de Berlim na PotsdamerPlatz.



Famosa igreja Kaiser Wilhelm, construída em 1890, bombardiada e parcialmente destruída em 1943 durante a Segunda Guerra. O prédio novo que se observa ao lado dela foi construído entre 1959 e 1963. É uma igreja nova anexa à antiga, que teve seus desabamentos contidos e o salão principal transformado em um memorial.



Eu ao lado de uma das diversas fontes de Netuno que há na Europa. Esta fica ao lado da Torre de TV no centro de uma praça. Bairro Mitte, AlexanderPlatz.



Eu ao lado da estátua de Karl Marx e Friedrich Engels. Praça Fórum de Marx & Engels, criada em 1986. Bairro Mitte, AlexanderPlatz.



Linda escultura em uma ponte sobre o rio Spree.



Eu e lili na frente da Berliner Dom. Catedral católica construída entre 1.895 e 1905, reconstrução de uma versão muito mais antiga que ocupava o mesmo espaço. A Berliner Dom conserva até hoje na sua faixada marcas de bala de conflito armado entre russos e alemães no ano de 1.945.



Checkpoint Charlie. Foi um posto aliado que controlava acesso das forças armadas e de civis estrangeiros da Alemanha Ocidental para a Alemanha Oriental durante a Guerra Fria. Acabou virando ponto turístico como símbolo da separação de leste e oeste, além de significar uma "estrada para a liberdade" principalmente para os alemães orientais.


Existem mais muitas fotos (só em Berlim fiz 490 fotos), mas se eu colocar tudo aqui acaba meu espaço free no picasa he he he...

Em mais 5 dias, próxima cidade: Praga - República Tcheca.

Abraços!

Paulo

domingo, 18 de julho de 2010

ESCALANDO O MONT BLANC E CONSTRUINDO REFLEXÕES - parte 2

O casal acordou e me procurou, depois de algumas palavras perguntaram se eu queria formar uma cordada com eles rumo ao cume do Mont Blanc, aceitei o convite já que foram tão cordiais dizendo que queriam “repetir a dose da boa parceria” que vivenciamos no grande colo. Combinamos começar às 02:30h.

As 19:00h de novo derreti gelo, fiz um liofilizado pra jantar, comi e fiquei na beirada do refúgio olhando o que podia da paisagem, pois ainda nevava! Eu deveria passar no refeitório às 20:00h pra receber a resposta sobre a cama, mas quinze minutos antes uma menina do refúgio me encontrou do lado de fora e me disse: “Paulo, consegui uma vaga pra você, mas é no dormitório dos guias e eles são muito chatos em relação a barulho, quando entrar, faça silêncio e não terá problemas ok?” Agradeci e entrei pra dormir às 20:10h, observação à parte: ouvi muito mais barulho do que queria mas fiquei quieto na minha (risos).

Acordei às 01:30h com o bater de mosquetões e piolets, levantei e fui ao banheiro, comi uma barrinha de cereal, peguei a mochila que deixei pronta e fui verificar a previsão do tempo que já estava impressa e fixada na parede desde a noite anterior. Quando cheguei ao lado de fora o céu estava limpo, fazia –2°C e não havia vento algum. A lua brilhava tanto que as lanternas eram dispensáveis, mesmo assim levei a minha.

Começamos a caminhar às 02:40h, tínhamos 990 metros de desnível até o cume, somando algumas descidas que obviamente causam mais subidas, o desnível total aumenta pra aproximadamente 1.200 metros acumulados para subida. Mais uma vez, com previsão boa, caminhamos com calma e cautela. Quando chegamos ao cume da Agulha de Goûter, à nossa frente já havia uma linha de gente subindo. Alguns próximos ao cume da Dome de Goûter 500 metros acima.

A 4.245 metros estávamos ao lado do cume da Dome de Goûter, deixei pra descida. Era 04:10h e continuamos sem nenhuma parada sequer. Descemos um pouco e retomamos a subida até chegar ao terceiro e último refúgio, o Vallot, a 4.362 metros, utilizado somente pra emergências, às 05:00h. O sol começava a nascer, chequei a temperatura e era de –6°C. Ventava pouquíssimo, mas a sensação térmica era bem forte, não sei o motivo.


Video mostrando o nascer do sol, Marcel, Anne, o refúgio e o Mont Blanc de Tacul


Depois deste último refúgio a rota muda e os riscos aumentam. O caminho se transforma em um filo único e contínuo bem estreito, no máximo um metro. Errou, caiu. Se estiver só e não conseguir frear nos flancos de até 60° de inclinação, já era. Se estiver encordado ainda tem uma chance de alguém te ancorar.

Mais um erro grave que notei dali até o final da escalada, muita gente subindo em solo com um bastão de caminhada em cada mão. Será que ninguém sabe que um bastão de caminhada extendido não serve pra frear um corpo de pelo menos 70kg descendo no gelo em velocidade no caso de uma queda??!! Não pra qualquer inclinação que passe dos 25 ou 30°! Ele partirá ao meio num piscar de olhos! Poucos portavam um piolet de marcha. Alguns até tinham, e onde estava o piolet? Amarrado na mochila! Ainda se perguntam do motivo pelo qual o Mont Blanc já matou tanto. Eis minha resposta, imprudência. Não preciso de dez anos de experiência pra responder isso.

Chegamos a 4.400 metros, muitos grupos já desciam do cume junto dos primeiros raios de sol atrás do Mont Blanc de Tacul. Tráfego de pessoas que significava parar e esperar, passar quando dava, parar e esperar...Uma rotina desconfortável de se fazer em um filo de um metro de largura, com flancos tão inclinados.


Amanhecer, Refúgio Vallot e a direita o Mont Blanc de Tacul.



Primeiros raios de sol em dia de cume na montanha. Bastante gente!


Depois de passar pelo Grande Bosse e Petite Bosse, atingimos a rampa final, que desgasta. Contínua, cerca de 25° de inclinação o que não é quase nada, mas a ansiedade já é forte, o cume mais alto dos Alpes está ali, bem perto. Um falso cume ilude, porém o cume verdadeiro dista só uns cinqüenta metros à frente.

Finalmente pisamos no cume do Mont Blanc de 4.807 metros às 07:20h, depois de muito sinal vermelho no trânsito de gente. Eu sentia muito frio e chutava uns –20°C, mas chequei o relógio e a temperatura era de –10,4°C. A previsão acertou de novo. Eu estava feliz como se fosse meu primeiro grande cume! Marcel e Anne também, pareciam duas crianças sorrindo e era sua segunda vez na montanha, a primeira foi em 1998. Fizemos um caloroso abraço triplo bem forte às gargalhadas, parecia que a montanha era nosso Everest, o topo do mundo!


Eu, Anne e Marcel no cume.



Eu no cume do Mont Blanc, 4.807 metros. Atrás de mim a esquerda o Mont Blanc de Courmayeur. Pico mais alto da Itália. (ia até lá mas o pé começava a doer e desisti).


Fizemos poucas porém precisas fotos. Cada um tirou a sua, eu tirei pros dois, pedi pra um norte-americanos tirar de nós três, ele levou algum tempo e me disse que não sabia se tinha saído, verifiquei e tinha tirado quatro, todas boas. Agradeci, depois o Marcelo tirou pra mim de duas vistas diferentes sem que o sol atrapalhasse. Fiz minha foto segurando a bandeira portuguesa, dedicando mais uma vez a escalada à minha mãe. Pra quem não sabe, tenho descendência brasileira e portuguesa. Minha mãe nasceu em Viseu/ Portugal, e veio pro Brasil com dois anos de idade de navio. Saudades mãe, segura mais essa!

Não ventava muito no cume, mas o pouco vento era bem frio, que combinados aos –10,4°C tornavam a tarefa de tirar fotos bastante dolorosa, eu queria fazer uma panorâmica do cume mas não fiz, queria um vídeo de cume mas não fiz. A mão doía instantaneamente ao tirar a luva.

Depois de só uns sete ou oito minutos no cume começamos a descer. Quilômetros à distância podíamos ver grupos ainda no início da escalada, despontando logo acima dos seracs que passamos ao lado do Dome de Goûter. Na descida a mesma rotina da subida, passa, espera, passa, espera...Muita gente indo pro cume. Acredito que neste dia, 30 de junho de 2010, pelo menos 100 pessoas tentaram o cume, pelo menos 85 delas chegaram lá.


Olhando pro Mont Blanc chegando no cume do Dome de Goûter.


Já bem cansados chegamos a lateral da Dome de Goûter. Não podia deixar de fazer cume. Saí da cordada e fui sozinho, marcando pegadas no gelo virgem pois ninguém foi pra lá nesta semana. Só fiz duas fotos do cume, uma da Agulha de Bionassai, impressionante montanha e mais bela que o próprio Mont Blanc, e do Refúgio Goûter visto desde os 4.304 metros do cume da montanha, usando 8x de zoom. Desci, voltei pra cordada e continuamos a descer. Meu pé direito me causava muitas dores, meu dedão doía muito e podia perceber várias bolhas. Chegamos ao Refúgio às 10:20h.


Vista pro refúgio desde o cume do Dome de Goûter. 4.304 m. (8x de zoom)



A Agulha de Midi, 3.840 metros.


Quando me sentei não agüentava de dor, tomei 2 comprimidos de paracetamol que comprei em Calama meses antes. Tirei a bota e a surpresa ruim: O dedão do pé e um pouco de sua continuidade junto ao pé estavam inchados e com coloração roxa. No mesmo pé, 6 bolhas já estouradas e duas cheias de água decoravam meu pé com uma incomum fantasia de lepra. Seria congelamento? Sei lá, achei que não.

Enquanto o casal decidiu descer direto eu preferi ficar mais uma noite no refúgio, descansar bem e cuidar do pé. Tomei uma sopa de legumes sem legumes (que era beeeem diferente da foto rs) e uma coca-cola a 10,50 euros, dei mais uma chorada com a menina que organiza as vagas, que de imediato me deu uma cama no dormitório principal, caí lá e dormi. Depois de trocar e-mails e me despedir do Marcel e da Anne é claro. Foram uma companhia super agradável na montanha!

Acordei às 16:00h. Continuava sozinho no dormitório, saí e olhei pro grande colo, o ciclo se repetia, dezenas de pessoas escalando e desescalando a rota, fazia bastante frio até e o tempo estava nublado. Com o passar das horas mais gente chegava. Uma invasão polonesa, contei pelo menos 15 polacos. Voltei pro refeitório, pra mesa e pras cruzadas, até que umas 20:00h fiz outro liofilizado e comi debaixo de nevasca, é proibido usar fogareiro dentro do refúgio. Fui dormir.


Nevasca grande colo.


Nova movimentação de cume às 02:00h, o sono ganhou e caí no sono novamente. Acordei de novo sozinho às 07:00h. Tempo límpido, céu azul, porém um vento relativamente forte, o que significava vento bem forte acima. Quando saí notei que deveria ter nevado bastante durante a noite, uma nova camada de neve fresca cobria o grande colo todo, em muitos pontos a neve começou a derreter e congelou em seguida, formando aquela manteiga nas rochas. Meus planos de descer de salomon pra poupar o pé foram por gelo abaixo. Teria que descer de boreal e crampoons indiscutivelmente.


O grande colo nevado, atenção redobrada na descida.


Comi minha terceira e última barrinha de cereal, meu último liofilizado, fui ao refeitório me despedir do pessoal, quando acabei escrevendo no livro de presença de lá. Um rapaz do refúgio me elogiou então era o mínimo que eu podia fazer, me disse: “Paulo, você trouxe luz pro abrigo. Todo mundo que vem aqui é fechado, só fala com seu grupo. Você não, o pessoal do refúgio gostou de você!”. Depois dessa, tinha que assinar o livro concordam? Assinei, deixei endereço do blog e do altamontanha, arrumei a mochila e me despedi de todos em definitivo.

Lá fui eu enfrentar o grande colo de um jeito que eu detesto, descendo e em más condições do terreno, eu estava tenso. Tomei mais 2 comprimidos de paracetamol pra aliviar o pé, me equipei e comecei a descida sozinho. Fui pisando em ovos a cada passo, super adrenado. Do jeito que as rochas estavam, um acidente seria triplamente mais fácil de acontecer. Quando cheguei na travessia, depois de desescalar aquele terror que é o colo semi congelado, passei pelos 30 metros da travessia quase correndo. Na outra extremidade, já seguro, parei e olhei a rota pra um grupo guiado, vigilante por causa das rochas. Um a um eles passaram, por último passou o guia e me agradeceu dizendo “obrigado, você é um bom homem”. Pergunto eu, se ele era o guia, por que estava por último??!!


Exemplo de inexperiência sem limites na travessia do grande colo, vejam este vídeo que encontrei no youtube!


Dali até o Tête Rousse desci de esqui bunda, chegando lá mais rápido. Quando entrei o pessoal da recepção me reconheceu, lembraram de mim, a primeira pergunta foi se fiz cume, dei a resposta positiva pra Dome de Goûter e Mont Blanc. Fui parabenizado e me disseram que era ótimo pois todo mundo fica cego pelo Mont Blanc e ignora a Dome, ou não vai pra poupar energia.

Peguei a mochila no locker, meu 1 euro de volta (o locker é de graça mas precisa de uma moeda de 1 euro pra liberar a tranca e a chave), reorganizei tudo dentro das mochilas, abandonei o gás pois seria proibido mesmo no vôo, pendurei a mochila menor na maior e comecei a descida dos 800 metros de desnível até a estação de trem. Mais 2 comprimidos de paracetamol pra dor na descida, perdi as contas de quantos foram, são muito fracos os comprimidos hermanos! Fui embora.

Parei algumas vezes pra beber água de degelo, fazia um calor de 27°C no glaciar, fiz algumas fotos outras vezes. Cheguei à estação de trem às 13:00h. O tempo lá pra cima já começava a mudar. Encontrei algumas pessoas que disseram que a proporção de cume para aquele dia já não era tão boa quando antes, muitas pessoas desistindo por causa do frio de –15°C próximo ao cume e ao vento mais forte. Confirmei minha descida pras 14:45h (quando se compra o ticket do trem que custa 17,50 euros, paga pela subida e descida). Troquei de roupa, de bota e com os comprimidos ainda aliviando as dores do pé, comecei a caminhar pra fazer fotos.

Conversei com um senhor alemão que viu que eu era brasileiro e veio bater papo. Papo agradável e longo. Quando a hora chegou desci de trem até os 1.800 metros e lá peguei o teleférico de volta pra cidade (mesmo que o trem, um só valor de 13,30 euros para subida e descida), na altitude de 1.035 metros de Lês Houches.

Existe uma trilha bem longa pra fazer todo esse trajeto (teleférico + trem = 1.335 m de desnível), mas não preciso provar nada pra ninguém e também não queria me desgastar antes do tempo. Mesmo de onde iniciei minha investida, o desnível acumulado total de ascensão que fiz foi de 2.650 metros. Bastante coisa. Raramente alguém se aventura a esse desgaste extra de 1.335 metros. Desde a estação de trem se observa toda a trilha, e havia somente 1 pessoa subindo nela.


Alpinista durante a descida logo após o Refúgio Tête Rousse. Ao fundo o glaciar de Bionassay.


Em Lês Houches, esperei o ônibus pra Chamonix (que não paguei! He he he) e lá, sob chuva, peguei um trem (na verdade troquei de trem 3 vezes) pra Zurich ao custo de 68 euros.

O Mont Blanc tem 4 rotas tidas como normais como a que eu fiz, porém a Goûter é a mais freqüentada. Entretanto, todas as rotas exigem experiência mínima moderada de deslocamento em glaciar, freio em caso de queda no gelo, equilíbrio bom, e coragem pra passar pelos filos pra chegar ao cume. Falar isso não é nenhuma tentativa de auto promoção, é fato. Passei pelos filos adrenado subindo e descendo.

Antes de tentar esta montanha pesquise bastante, fique atento as informações de tempo e condições do gelo, estas informações estão pra todo lado em Chamonix, Lês Houches e nos refúgios, e são gratuitas. Isso pode ser a diferença entre a vida e a morte nesta fácil porém mortal montanha que, até hoje, já ceifou 68 vidas (número tido como oficial que encontrei online, pode ser maior).

Meu pé: Quando cheguei em Zurich, Suíça, comprei gase e fiz um curativo meia boca no dedão e parte do pé, comprei e coloquei curativos pras bolhas estouradas e procurei andar pouco na medida do possível, o que não foi fácil tendo que dormir na rua por 3 noites (cidade lotada por causa da Zurich fest, 3 dias de farra e bebedeira com 2 milhões de turistas na cidade – albergues e hotéis lotados), mantive a bota desamarrada pra aliviar a pressão. No segundo dia cogitei procurar um hospital e até comentei com o Pedro por e-mail, mas “dei mais um dia”. Começou a melhorar na manhã seguinte. No quarto dia tirei as bandagens em definitivo, mas os curativos das bolhas continuaram por uma semana. Não acredito que tenha sido um leve congelamento, mas não seja um tonto como eu, procure atendimento médico hospitalar em caso de ferimentos e suspeita de congelamento!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

ESCALANDO O MONT BLANC E CONSTRUINDO REFLEXÕES - parte 1

No dia 27 de junho de 2010, depois de finalmente conseguirmos viajar juntos, lili e eu nos separamos. Ela pegou um ônibus deixando Paris em direção a Amsterdam, de onde sairia seu vôo de volta pro Brasil. Eu peguei um ônibus dez horas mais tarde rumando para Genebra, Suíça. Nesses vinte dias juntos em nossa viagem, passamos pela Alemanha, República Tcheca, Eslováquia, Eslovênia, Áustria, Itália, Espanha e França. Foi um pouco cansativo em alguns momentos porquê andávamos entre 15 e 20kms todo dia conhecendo os pontos turísticos, mas no final deu tudo certo. Mochilar na Europa, apesar do contra-tempo da língua, é super fácil. Posso dizer que depois de quase 15 anos como mochileiro, foi a primeira vez que consegui concretizar 100% do planejado (tudo planejado pela lili). Pela América do Sul isso raramente passa de 60% por motivos diversos. Na Europa, se você não tiver aversão à tecnologia, pode comer, beber, se locomover, comprar selos e postar cartas, comprar passagens de trem, metrô e ônibus, tudo sem nenhum contato humano. Existe máquina pra tudo, tudo que citei e mais.

Com calma, cidade por cidade, farei relatos e posts fotográficos, cheios de detalhes e situações engraçadas. Aqui vou me ater ao objetivo principal para a mente depois de absorver tanta História visual, ver tantos lugares sobre os quais só li durante minhas leituras particulares ou na faculdade, relaxamento mental e reflexões nos Alpes franceses!

Meu ônibus deixando Paris atrasou 40 minutos na saída só pra aumentar minha ansiedade de chegar logo nos Alpes. Fez diversas paradas, mas no final das contas chegou meia hora antes do previsto. A rodoviária de Genebra que se chama Routiere não passa de um pequeno escritório vidrado e uns 50 metros quadrados e um estacionamento que cabem no máximo dez ônibus. Cheguei cedo, 06:30h, portanto tinha meia hora pra matar antes de poder comprar a próxima passagem. Andei alguns quarteirões e já fiz algumas fotos de pontos turísticos da cidade que ficam ali mesmo. Voltei no horário e comprei a passagem bem cara pra Chamonix, 33 euros (para fins de comparação, sempre que eu colocar o preço em euro, multiplique por 2,4 para saber em R$) por uma viagem de apenas 84kms!

Pois bem, uma hora e quinze minutos depois, quando desci do ônibus, estava instantaneamente hipnotizado olhando pra uma paisagem himalaiana em plena França! Explico, a cidade de Chamonix fica a 1.035 metros de altitude, isso significa que muitos dos cumes que beiram ou ultrapassam 4.000 metros que podem ser vistos da cidade, representam uma muralha de montanhas cujo desnível é de 3.000 metros verticais!

De qualquer lugar da cidade, caso queira olhar para alguma montanha, seja ela qual for, terá que inclinar sua cabeça pelo menos 30° para cima! É realmente impressionante e belo. Não há como ser claro com palavras, fotos e vídeos, só presenciando dá pra entender do que falo.

A surreal Agulha de Midi de 3.840 metros de altitude, tem um desnível de 2.705 metros pra cidade, é a grande estrela local. É a montanha mais proeminente, tem uma parada de ônibus com seu nome e pasme: Pagando o preço caríssimo você não precisa gastar uma gota de suor sequer pra chegar a este cume, basta pegar o teleférico que após uns 15 minutos estará lá, a só uns 20 metros verticais do cume da agulha. “É um dos mais longos teleféricos do mundo”, é o que dizem lá.

Fui ao centro de informações de montanha verificar a previsão do tempo antes de subir. São informações bem precisas e mais tarde me impressionei com isso. A previsão para aquela tarde não era muito encorajadora, tempestade de neve pela tarde com temperaturas de 0°C entre 2.500 e 3.100 metros, para altitudes até 5.000 metros, -10°C. Enquanto estudava o mapa das montanhas próximas na parede, conheci dois catalães que fariam a mesma rota que eu, uma das quatro rotas normais para o Mont Blanc, a Rota Goûter (mais freqüentada). Depois de um minuto de papo me ofereceram carona até Lês Houches. Bom, eu iria andando mesmo (7km de Chamonix). Lá é ponto de partida para a ascensão.

Paramos no mercado onde comprei um lanche e um suco de laranja. Estacionamos o carro na frente do teleférico de Bellevue, pagamos e subimos. Ele nos deixou a 1.800 metros, lá andamos 200 metros onde pegamos o trem que sobe margeando o glaciar de Bionassai até a altitude de 2.370 metros. Nem paramos, começamos a andar.


Catalão à frente no começo da caminhada. Glaciar e Agulha de Bionassay ao fundo


De tão excitado que estava comecei no estado: camiseta e bermuda. Da parada do trem até o glaciar são apenas cinco minutos de caminhada com mochila. Depois de dez minutos andando sobre o glaciar a temperatura mudou de quase 30°C para 12°C. Isso eu já esperava é claro, aliás, sentia muito calor mesmo a essa temperatura por causa das duas mochilas.

Tinha um problema, eu subia com minhas duas mochilas. A grande Fitz Roy da Conquista de 90 litros que tinha uns bons 16 ou 17kgs nas costas, e uma nova da Quéchua que comprei na Decathlon de Paris pelo preço ridículo de 40 euros, pesando uns 5 kgs. Entretanto, por só uns 10 centímetros ela ultrapassou o conforto de estar na frente e não incomodar. Batia no meu joelho e por isso se soltava dos ombros a cada 5 passos.

Depois de uns 30 minutos isso realmente se tornou um problema, pois me atrasava demais, causando um tremendo desconforto e desgaste físico extra. Os catalães que tinham se convidado a subir comigo, perderam a paciência e disseram que avançariam mais rápido porque queriam chegar ao refúgio Goûter ainda naquela tarde. “Por mim tudo bem, não pedi pra me esperarem, isso aqui pode levar um bom tempo!”, disse eu. Cinco minutos depois, pensando, cheguei à conclusão de que talvez tenha sido um pouco rude, mas não foi minha intenção e sei que entenderam numa boa. Afinal das contas, ambos levavam só uma mochila de ataque que não devia pesar mais que 7kgs cada, nem saco de dormir levavam pois tinham reserva pra noite no refúgio, eu não e por esse motivo precisava estar preparado pra dormir no chão se necessário.

Sumiram glaciar acima. Eu continuei sozinho no jeito que dava, e conforme o terreno se inclinava mais, os escorregões se tornaram inevitáveis. Por outro lado, eu me sentia melhor sozinho porque estava livre pra curtir minha sonhada liberdade na montanha sem prazos, sem ninguém esperando por mim ou por quem esperar. É triste mas minha liberdade na montanha está quase no fim, precisava curtir sem interrupções.

Quando cheguei a 2.750 metros era 14:00h, o tempo começou a mudar. Às 14:05h já nevava, incrível. A fama do maciço do Mont Blanc é verdadeira. Parei, tirei as mochilas sobre um pequeno espaço rochoso no glaciar, coloquei fleece, anoraque, gorro, calça, botas e crampoons. Chequei a temperatura, fazia 4°C. Sabia que estava correta pois ajustei o relógio com o termômetro do centro de informações de montanha horas antes e, quando o fiz, corrigi meu relógio em apenas 0,7°C de diferença.


Eu sozinho no pequeno intervalo entre nevascas e whiteouts, antes do primeiro refúgio.


Esvaziei a mochila de 40l e passei tudo pra maior, pendurei a pequena na grande lateralmente, outro problema resolvido. Agora sim poderia avançar sem incômodos.

O tempo piorou mais ainda, levantei e segui em frente. Dez minutos mais e fui cercado por um whiteout, não podia ver dez metros adiante! Procurei seguir os dados pra gps que baixei no site RUMOS, observando também os rastros na neve fresca sobre o glaciar. Tinha que ser cauteloso porque só cinqüenta metros à minha direita havia um mar de gretas e enormes seracs de dez metros de altura. Prometi pra lili que não viraria picolé e sempre cumpro com minha palavra, não importam os meios.

O whiteout durou pouco, cerca de meia hora. Não fiquei parado não, avancei. Apesar do whiteout ter se dissipado, a nevasca só piorou. Estava a 3.000 metros às 15:00h, ainda me faltava 167 metros verticais e cerca de 400 em linha reta até o primeiro refúgio da rota, o Tête Rousse. A essa altura do campeonato é óbvio que eu já havia desistido de chegar ao Goûter neste mesmo dia. Com o peso que carregava e o desconforto das duas mochilas meio desajeitadas nas costas, era meio passo para um acidente. Sempre digo não à imprudência na montanha.

Era incrível, quanto mais eu me apressava, mais a nevasca se intensificava. Uma pequena pausa de cinco minutos me permitiu um vídeo, depois recomeçou e mais forte. Quando finalmente cheguei ao Refúgio Tête Rousse, a 3.167 metros, que só encontrei graças ao GPS em meio a um segundo whiteout, estava pintado de branco. A mochila menor que estava deitada sobre a maior, nas minhas costas, tinha um bolsão de neve acumulada, enchi a mão três vezes limpando. Meu gorro deu perda total, estava encharcado.


Depois que o tempo abriu novamente, fiz essa panorâmica de 180° de vista do Refúgio Tête Rousse, a 3.167 metros.


Como nos refúgios entrar de botas é proibido, e para tanto oferecem chinelos, tirei os crampoons, as botas, calcei o chinelo e entrei para tentar uma vaga pra dormir em uma cama. Obviamente estava lotado. Cerca de 100 alpinistas no refeitório, na grande maioria franceses, alguns alemães, polacos, austríacos e poucos espanhóis. Brasileiro, moreno, usando um fleece com a bandeira nacional e da Bolívia, somente eu. Bastou entrar e já arranquei olhares curiosos cujas feições significavam uma só coisa: estudo.

Paguei pela noite o preço de 27,50 euros. Mesmo que não houvesse vaga pra cama, e eu teria que checar novamente às 20:00h, poderia dormir no chão.

Voltei pro vestiário, tirei a roupa molhada da neve, coloquei roupa seca e saí pra fotografar. O tempo já estava aberto e o céu parcialmente azul, pode?!

Finalmente pude olhar o “grande colo”, famoso pela chuva de rochas que matam alpinistas durante a sua travessia, uma rampa de gelo de uns 30° de inclinação iniciais e apenas uns 30 metros de largura. Nesses 30 metros da travessia que a merda acontece. Na parede, pude observar a dupla de bombeiros catalães na metade do caminho. Onde estavam ainda nevava um pouco. No topo da parede, o refúgio Goûter. Fiz algumas fotos, andei pelo glaciar. Depois de várias horas e muito papo com um casal francês de meia idade (Marcel – 55, Anne – 53) que conheci nos fundos do refúgio (de onde filmei uma avalanche na encosta da Dome de Goûter), às 20:00h britanicamente, recebi a confirmação positiva de uma cama.

Marcel e Anne (que não falava uma palavra sequer de inglês e por isso dependia do marido como intérprete) gostaram muito de mim, então me convidaram para acompanha-los na manhã seguinte durante a escalada do grande colo. Aceitei, seria legal ter com quem conversar durante o trajeto. Pura companhia.


Avalanche que consegui filmar desde os fundos do Refúgio Tête Rousse


Deixei minhas coisas no dormitório, peguei fogareiro, gás e panela, e fui pro lado de fora preparar um liofilizado para o jantar derretendo gelo pra ter água. Na decathlon de Paris, além da mochila, comprei 6 refeições para montanha e um bujão de gás. Uma refeição completa ao preço de 5 euros cada, nada mal. Comprei uma lata de coca-cola no refúgio a bagatela de 4,60 euros e jantei. Fui dormir.

Acordei com a movimentação das duas da manhã dos que fariam o ataque ao cume do Mont Blanc ou Dome de Goûter dali mesmo, voltei a dormir. Acordei em definitivo quando meu relógio despertou às 07:00h. Antes mesmo de ir ao banheiro passei no refeitório e chequei a previsão do tempo: Perfeito com céu aberto pela manhã, mais uma nevasca para a tarde. Muito bom pois eu só pretendia chegar ao próximo refúgio neste dia, queria curtir a montanha e não correr pro cume.

Com a intenção de me poupar, maximizando assim minhas chances de cume, deixei tudo que podia na mochila grande e a tranquei em um locker. Subiria com a de 40l pesando aproximadamente 10kg. Ótimo, melhor assim.

Não levei muito a sério o convite do Marcel e da Anne, então já fui pro lado de fora pronto, só me faltava calçar as botas e crampoons e começar a caminhar. Surpreendi-me, quando cheguei do lado de fora estavam me esperando. “Paulo, só estávamos te esperando, está pronto?”. “Sim, vamos encarar o grande colo!”, respondi.

Tudo que li sobre o mortal Mont Blanc se confirmara até este momento. Metade das pessoas que tentam atingir seu cume é turista buscando uma aventura em alta montanha, não são alpinistas. Todos com um guia em uma expedição comercial. Por um lado isso é bom porque não estão sozinhos na montanha, a própria fama do assassino dos Alpes faz com que os turistas com medo contratem um guia. Por outro lado isso é tão perigoso quanto como se estivessem sós, em determinadas situações é claro. Até onde vai a experiência e o preparo daquele guia? Será mesmo que em uma situação de perigo eminente ele dará conta sozinho de um grupo de cinco ou seis clientes (foi o que vi lá)? Será que o cliente inexperiente saberá lidar com o psicológico com “aquela rampa que nunca acaba”? E quando ele chegar no falso cume pensando que era o cume, será que saberá espremer aquela energia extra que nós sabemos como ninguém?

De todo aquele povo que vi no refeitório, pelo menos dez eram guias, cerca de quarenta clientes destes guias e o restante alpinista escalando em solo ou com algum amigo como eu.

Enquanto observava os guias passando instruções aos clientes de como vestir a cadeirinha e crampoons pensava eu: “não serei o número 69!”.

Começamos a caminhar às 08:00h. Batendo papo, trocando experiências, sem correria. Subimos a pouco inclinada rampa de gelo até uma parte rochosa antes da travessia. Atrás de nós, um helicóptero fazia repetidas viagens até o glaciar ao lado do refúgio trazendo gente, equipamentos, e até uma máquina que parecia um pequeno gerador. O objetivo, só podíamos imaginar.


Subindo para o Refúgio Goûter, foto a aproximadamente 3.200 metros.


Cada um colocou seu capacete e entramos na trilha rochosa. Depois de só uns trinta metros desta trilha chegamos à travessia de gelo do grande colo, conhecida como “galeria de tiro”, obviamente por causa das rochas que rolam rampa abaixo, responsáveis por algumas mortes no maciço. Combinamos um esquema simples mas que pode salvar vidas: Somente um por vez passaria enquanto os outros observariam o terreno acima com a missão de avisar com um grito no caso de uma rocha descer.

Marcel foi, tudo certo. Anne foi bem lenta. Eu mesmo já sou lento na montanha até porquê minha ascensão é sempre contemplativa. Paro sempre pra dar uma olhada ao redor e fazer uma foto. Mas a Anne, acredito que pela idade somada à falta de prática, ia muito devagar. Ao longe, acima, vi uma rocha do tamanho de um punho descendo a rampa a toda. Instantaneamente gritei alto e duas vezes: “Rock Anne, rock!”. Ela não entende inglês, mas a urgência dos gritos foram bem claras, se deitou na vala de neve. Felizmente a rocha passou a uns cinco metros laterais dela sem perigo eminente. Levantou-se e concluiu a travessia. Depois fui eu e nenhuma rocha caiu. Atrás de nós um grupo guiado (1 guia, 5 clientes) passava na linha de travessia mais baixa uns dez metros, mais rocha rolando! Felizmente ninguém foi atingido apesar de estar o grupo inteiro ao mesmo tempo na travessia e pior, clipados ao cabo de aço que passa sobre suas cabeças. No meu ponto de vista aquilo era um erro grave, explico: 1° - O cabo de aço passa sobre as cabeças aproximadamente um metro e meio, isso dificultaria o escalador se abaixar, o que salvaria sua vida deitado na vala. 2° - O guia não fez o que fizemos, como estavam encordados, todos entraram ao mesmo tempo na travessia do colo, com distância de mais ou menos dois metros de um pro outro. Isso significa que todo o grupo composto por cinco clientes e um guia, seis pessoas, a uma distância de dois metros entre um e outro, perfaziam um total de dez metros em uma única linha de pessoas, em uma travessia assassina de trinta metros. Um terço do caminho! As chances de alguém ser atingido era irritantemente grande.


Marcel antes de começar a travessia, visível atrás dele.


Daí pra frente o caminho se transforma em uma escalaminhada de uns 30° de inclinação, com caminho bem marcado e óbvio. Cem metros verticais acima e a simples escalaminhada passa a ser uma “meia escalada” mista com pequenas rampas de gelo e acreditem, é possível esbarrar até com finas camadas de verglass. Deste ponto em diante a atenção passa a ser de 120% e a inclinação uns 40°. Mais adiante cerca de 250 metros verticais acima, começam os cabos de aço fixos. É um aviso para aumentar novamente a atenção para 140%. Nos últimos cem metros verticais, já podia tocar o refúgio de tão próximo, porém minha atenção era de 200%, pois subia de boreal e usando crampoons. A inclinação beirava os 55° ou 60°, ou seja, a rocha a frente na verdade estava acima um ou um metro e meio. Uma simples queda significaria ficar ricocheteando nas rochas e parar provavelmente 50 ou 100 metros abaixo morto, ou vivo com múltiplas fraturas.

Enquanto a subida do grande colo é prazerosa e um pouco perigosa, a descida é apavorante e realmente perigosa. Não interprete esta leitura erroneamente, eu não disse que é difícil, pelo contrário, é fácil. Entretanto, todo cuidado é pouco no grande colo.

Pelo menos metade das pessoas que subia ou descia o fazia em grupos e encordados. Faço mais uma observação sobre isto: De minha objetiva pura “segurança psicológica” porquê segurança real mesmo não notei funcionalidade. De que adianta subir o grupo encordado em uma parede rochosa sem pôr um friend sequer na parede? A impressão que tive era que se um cair, todos cairiam. Provavelmente terminariam pendulando todos em caso de a corda enganchar em uma rocha, com alguma fratura de braço ou perna. Isso se a rocha não cortar a corda, vez que a grande maioria das rochas do grande colo são muito escarpadas, afiadas como facas. Subir encordado no gelo sim é bastante funcional em caso de queda de um do grupo, os outros podem ajuda-lo se ancorando no gelo ou evitando uma queda em uma greta profunda. Enfim, é minha opinião.


Final da escalada do grande colo. Nota-se o desnível e inclinação: a apenas 3 metros na minha frente, Marcel estava cerca de 8 metros acima!


Com todo cuidado possível, depois de 3 horas exatas de caminhada, trepa-pedra e escalada, vencemos os 650 metros de desnível e chegamos ao Refúgio Goûter a 3.817 metros de altitude. Olhei para baixo ao me debruçar no corrimão e vi dúzias de pessoas mais formando uma linha colorida ao longo do colo, muitas subindo e algumas pelas quais passamos, descendo.


Panorâmica da vista de 180° do Refúgio Goûter. 3.817 metros. Agulha de Bionassay (4.052m) a esquerda.



Panorâmica da vista do cume da Agulha de Goûter (esq p/ dir): Agulha de Midi (3.840m), Mont Blanc de Tacul (4.248m), Mont Maudit (4.465m), Dome de Goûter(4.304m)


Larguei minha mochila e olhei pro Marcel sorrindo, mas antes que eu pudesse falar algo ele me disse “vamos concluir a escalada do dia?”. Não entendi muito bem mas respondi positivamente. Cinco minutos e 350 metros mais distantes depois, glaciar acima, estávamos no filo do cume da Agulha de Goûter (que dá nome ao Refúgio e à rota), a 3.864 metros. Meu primeiro cume europeu.


Eu chegando ao cume da Agulha de Goûter. 3.864 metros.


Fizemos fotos e descemos bem a tempo por volta das 11:30h, o céu começava a mudar. Na descida ainda tiramos foto com um boneco de neve feito por um grupo de americanos que cavou um buraco no glaciar e estava acampado ali, ignorando a proibição de camping e o helicóptero da polícia que passava a cada hora sobrevoando e inspecionando a montanha.

Chegamos no Refúgio e mais uma vez entrei na fila por uma cama, na porta esbarrei com a dupla de catalães, começando a descida do colo. Disseram estarem exaustos, que o caminho era “muy largo Paulo, muy largo...”. Também reclamaram do forte frio.



Deixei minhas coisas onde deu e fui fazer um liofilizado pro almoço. Mais uma vez derretendo gelo, preferia pagar o absurdo de 4,60 euros por uma latinha de coca-cola (pelo sabor e reposição de açúcar) do que 5 euros por uma garrafa de 1,5 litros de água mineral! Depois que comi voltei ao refeitório e novamente fui o centro das atenções com minhas bandeiras no peito. Único sul-americano. Tentei puxar assunto com vários alpinistas mas me davam respostas monossilábicas, muito fechados. Por outro lado o pessoal do refúgio era super legal, muito receptivo ao papo. Me disseram que nem se lembravam da última vez que viram um brasileiro lá.


A tarde no mesmo dia, mais gente subindo para o refúgio Goûter.


Marcel e Anne foram dormir então me sentei só em uma das mesas e passei meu tempo com palavras cruzadas até cair no sono sentado na mesa lá pelas 15:00h. Lá fora nevava forte. Acordei uma hora depois e fui pro lado de fora fazer um vídeo e curtir a nevasca que prosseguia forte.

Continua na parte 2